sábado, dezembro 28, 2013

Minhas reverências para Gay Talese

Mister Talese,
Que delícia ouví-lo falando sobre jornalismo, no programa Roda Viva, da TV Cultura! Leio seus textos e sou sua fã! Eu queria ser igual o senhor, “quando crescer”, e continuo querendo. Infelizmente, para se fazer o jornalismo que o senhor propõe é preciso ter condições de trabalho.
Já me aconteceu de sair da redação com cinco pautas em diferentes pontos da cidade, quase que simultaneamente, com o trânsito caótico, e depois ter que redigir tudo, correndo contra o tempo, “no pau do fechamento”, como diz minha colega Dorothy Menezes. Ao ler o jornal, na manhã seguinte, vem a ressaca moral: eu poderia ter escrito melhor, deveria ter revisado com mais calma e corrigido isso e aquilo... Mas, como? O relógio não para de correr! Isso sem falar no barulho infernal da redação na hora do fechamento.
E, às vezes, o próprio editor mexe no texto do repórter, mudando para pior...
Acredito que o jornalismo não deva ser só literatura, mas deve ter elementos literários, deve ter sentimento, verdade. Dentro das minhas limitações, vou tentado... Confesso que não gosto de textos exageradamente metafóricos, o leitor se confunde. Entretanto, “pitadas” de metáforas, em doses certas, enriquecem infinitamente o texto jornalístico. Também gosto de lead... Acho que é preciso deixar claro sobre o que se está falando.


Vibrei quando o senhor disse que não usa internet e que os releases atrapalham o repórter, que se acomoda com dados oficiais e não busca a notícia por outros ângulos. Concordo com o senhor e sinto pena das novas gerações de jornalistas, excessivamente dependentes da tecnologia e carentes de criatividade,cultura e sensibilidade.
Meu tio Hélio Sá, 84 anos, sempre diz que não estudou jornalismo, porque “na época dele” não existia escola para isso. “Me formei jornalista nas ruas de São Paulo”, ele costuma dizer. Eu estudei jornalismo na Universidade Federal de Goiás,mas me formei nas ruas e esgotos de Goiânia.
Assim como o senhor, sei que o encantamento do jornalismo é justamente andar pelas ruas com olhos bem abertos para a vida.
Observo que no meio do povo há histórias incríveis, mas para quem não tem preconceito. São tesouros encontrados por quem ouve a linguagem do seu povo. E todo bom repórter deve ser povo e ter sabedoria para ouvir e contar histórias.
Não se faz reportagem dentro de uma sala com ar condicionado. A riqueza dessa profissão maldita está em um dia poder tomar café em xícara de ouro num palácio, e no outro, água suja em latinha de massa de tomate, num barraco;
conversar com freiras, e com prostitutas;
com doutores tolos, e com analfabetos cheios de sabedoria;
com madames endinheiradas, arrogantes e vulgares; e com donas de casa pobres, humildes e elegantes;
com mulheres que ganham a vida trabalhando honestamente, e outras que engravidam para tirar dinheiro de homens burros que só olham a bunda, sem analisar o cérebro...
São os contrastes dessa vida.
Riquíssima vida para quem sabe se confrontar com ela.
Mister Talese, já faz muito tempo que o senhor é o meu mestre.
Aceite as minhas reverências!
Maria José Sá

* Gay Talese is a North American journalist, one of the creators of literary journalism. He works in "The New York Times

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