quinta-feira, maio 08, 2008

O Profeta do Hi5

“Querida R. recebi aquele pequeno texto e devo dizer-te que não tens culpa de nada. Apenas não tenho andado muito bem, ando a tratar uma depressão e por esse motivo não tenho lá grande disposição para estar aqui. A R. foi das mulheres com mais personalidade e saber estar que encontrei neste imenso hi5, Carácter incontornável e de uma sedução para tua idade que me tira do sério do sério e balança comigo até.É um caso muito especial de amizade que começa a tomar contornos mais sérios, na medida que quase me apaixono por voce. Me deixa recuperar um pouco a saúde e cá estarei de novo com poesias e textos que sei gosta”

Olhar sonhador de adolescente à espera do príncipe encantado, semblante tranqüilo. Realmente R.S. é uma mulher fascinante. Aos 54 anos de idade, esta brasileira ainda conserva o ar romântico, mesmo já tendo sofrido desilusões.
As marcas do sofrimento não conseguiram amargurar a doce auxiliar de enfermagem. É através da sua rede de amigos no Hi5 que esta mulher simples se conecta com o mundo. Diariamente, ela envia mensagens de carinho, amor e sabedoria, além de figuras carregadas de pieguismo, para todos os seus amigos e amigas. É assim que ela se livra da solidão.
Os dias frios do sul do país ganharam colorido e sabor quando R.S. conheceu “O Profeta do Hi5”. Sempre carinhoso aos extremos, ele a despertou. Todos os dias, ao abrir sua página, R.S. se depara com poemas de forte apelo romântico e sensual, alguns até eróticos, e na despedida, a marca do sedutor: “beijinhos doces querida”.
Os beijinhos doces do Profeta imediatamente cativaram a mulher. E no msn foi alinhavado o relacionamento virtual. O que para o Profeta é apenas uma brincadeira, para a cinqüentenária poderia ser a esperança de um recomeço. Talvez um dia ele atravessasse o Atlântico e viesse realizar o sonho dela... E esta esperança, alicerçada nas mentiras do Profeta, coloria os dias da doce mulher.



“Pelas suas fotos vejo que é uma mulher com um fascínio muito especial,de uma beleza tão suave que me apaixonou os sentidos.Aquele vestido faz de si,por momentos,uma rainha,ofuscando todo mundo com o seu brilho.Parabéns querida. Também gostaria tanto de conhecer voce pessoalmente! mas o oceano nos está separando! senão que até podíamos ficar noite inteira falando de filosofia e lendo poesia. Me faculte seu email para falarmos um pouco se isso for a sua vontade. Beijos doces querida"

Apesar da pose elegante, a moça do vestido vermelho não consegue esconder uma mistura de sofrimento e agressividade no seu olhar. Rê tem 38 anos e é secretária de um curso de línguas, no interior de São Paulo. Recém- divorciada, com dois filhos pequenos, ferida, ela encontrou consolo nos beijinhos doces do Profeta.
Recém-saída de um casamento infeliz, Rê viu no Profeta o homem ideal. Compreensivo, amigo, carinhoso, conselheiro, o oposto do ex-marido, assim era o novo amor de Rê. E ela se apaixonou perdidamente, chegando a acreditar que tinha importância na vida do seu “Guru”. Quando avisada de que o Profeta é uma farsa, a moça do vestido vermelho preferiu continuar acreditando nas mentiras dele a ter que encarar mais uma decepção...


Alta madrugada fria no Porto. E a esposa do Profeta acorda com seus gritos. Já se passaram 35 anos e o ex-guerrilheiro português ainda sofre com os horrores da guerra de Angola. Lembranças de corpos estilhaçados, o barulho ensurdecedor dos tiros, o cheiro de pólvora misturado com cheiro de sangue e de queimaduras; amigos e inimigos caindo mortos. O cenário dantesco da guerra sempre o atormentou.
Escravizado pela rotina do serviço público e pelo casamento de três décadas, o ex-guerrilheiro se refugia nos livros de Filosofia, Literatura e Sociologia, suas paixões. Mas é no ciclismo que descarrega sua adrenalina. Consegue pedalar por horas, em alta velocidade, e já ganhou diversas disputas de ciclismo profissional. Este é o famoso Profeta do Hi5.
O Profeta não consegue se libertar das dores do passado e das amarras do presente, o que talvez explique a fixação pelo tempo. Sua coleção de relógios de pulso já tem centenas de exemplares, alguns caríssimos e raríssimos. Apaixonado pelo espírito livre dos felinos e dos seus ancestrais ciganos, o ex-guerrilheiro sonha com a própria liberdade, que nunca conheceu.
Quatro anos na África moldaram um homem depressivo, mas ao mesmo tempo vaidoso e sedutor.
Ar de intelectual, “cara de filósofo”, arguto, culto, este é o Profeta do Hi5, estereótipo condizente com a imagem que construiu. Figura contraditória, se diz budista mas se diverte iludindo mulheres carentes. Diz que "apenas alimenta a auto-estima delas". Assim como suas namoradas virtuais, ele também precisa do Hi5 para viver. É nesta imensa rede de amigos e namoros virtuais que o ex-guerrilheiro sente-se livre para ser quem ele às vezes chega a acreditar que é.

terça-feira, maio 06, 2008

Ao mestre, com carinho

Aqueles dias de estudante se foram
Mas, em minha mente,
Sei que sempre sobreviverão.
Como agradecer alguém
Que me fez "crescer como gente"?
Não é fácil, mas vou tentar.
Se você quisesse o céu,
Eu escreveria nele com as estrelas
A mil pés de altura:
Ao mestre, com carinho.

Chegou a hora de fechar os livros ...
enquanto longos e últimos olhares permanecem
E enquanto eu viver,
Saberei que estou deixando meu melhor amigo
Um amigo, que me mostrou o certo e o errado,
O fraco e o forte
Isso é tão difícil de aprender...
O quê? o quê posso eu lhe dar em troca ?
Se você quisesse a lua
Eu tentaria levar também as estrelas
Mas eu lhe dou estas palavras sinceras, com toda segurança do meu coração:
Ao mestre, com carinho

* Dr. Vasco, eu sei que um dia a gente vai se encontrar...

Réquiem para um amigo



Sonho que estou conversando com meu meu grande amigo, o dr. Vasco Martins Cardoso, na sua sala do laboratório de Patologia Humana, no Hospital do Câncer. Acordo num sobressalto, olho no relógio, é uma hora da manhã e faz muito frio. Não consigo mais dormir. Hoje vou à missa, e vou oferecê-la para a alma dele.
Dr. Vasco se foi no natal de 2005, após sofrer por três anos com o Mal de Alzheimer, diagnosticado por ele mesmo. Foi muito dolorido assistir meu mestre se definhando aos poucos, até não restar mais nada.
Antes de estudar Jornalismo, eu cursei Ciências Biomédicas, na Universidade Católica de Goiás, onde fui aluna do famoso dr. Vasco em duas disciplinas: Citologia e Patologia Humana.
No segundo semestre do curso, fui trabalhar no Hospital do Câncer e lá fiquei por quatro anos, trabalhando com meu mestre, que se tornou meu grande amigo e conselheiro. Como estudava demais e trabalhava demais, tive intoxicação provocada pelos produtos químicos utilizados no laboratório, quase morri, e o médico me proibiu de continuar na área de saúde. Foi aí que optei pelo Jornalismo e comecei tudo de novo, mas isso é outra história...
A seguir, relato um pouco da minha convivência com o grande médico patologista Vasco Martins Cardoso, uma lenda na medicina brasileira, que deixou muita saudade.

Réquiem para um amigo I - "Vê mais longe a gaivota que voa mais alto"




“Na superfície do azul brilhante do céu, tentando a custo manter as asas numa dolorosa curva, Fernão Capelo Gaivota levanta o bico a trinta metros de altura. E voa. Voar é muito importante, tão ou mais importante que viver, que comer, pelo menos para Fernão, uma gaivota que pensa e sente o sabor do infinito.
É verdade que é caro pensar diferentemente do resto do bando, passar dias inteiros só voando, só aprendendo a voar, longe do comum dos mortais, estes que se contentam com o que são, na pobreza das limitações. Para Fernão é diferente, evoluir é necessário, a vida é o desconhecido e o desconhecível. Afinal uma gaivota que se preza tem de viver o brilho das estrelas, analisar de perto o paraíso, respirar ares mais leves e mais afáveis. Viver é conquistar, não limitar o ilimitável. Sempre haverá o que aprender. Sempre.” (BACH, Richard; Fernão Capelo Gaivota)


Após um semestre inteiro estudando matérias de Humanidades, como Filosofia e Teologia, finalmente eu estudaria Citologia, a primeira matéria técnica do curso de Ciências Biomédicas, da Universidade Católica de Goiás - UCG. A expectativa era grande, primeiro pela paixão pelo mundo da Biologia Molecular, segundo pela curiosidade em conhecer o famoso professor Vasco Martins Cardoso.
Idolatrado por uns e temido por outros, o professor Vasco era um mito entre os acadêmicos de Biomedicina da UCG. Por mais de duas décadas, ele foi patrono de todas as turmas de formandos do curso. Pelos corredores da Faculdade corria a notícia de que ele só dava duas notas: dez ou zero, e o detalhe de que todas as provas eram orais contribuía para assustar ainda mais os calouros.
Acostumada com a informalidade dos professores da área de Ciências Humanas, tive um impacto quando o famoso médico entrou na sala de aula. Ele trajava a farda de coronel da Polícia Militar, era formal e tinha aparência impecável: semblante sério, postura elegante e perfume discreto. Eu tinha acabado de completar 18 anos e, naquele instante, senti que a adolescência se findava com a entrada para o mundo profissional.
Ansiosa por começar a desvendar os mistérios do mundo da ciência, outra surpresa: primeiramente o professor Vasco nos mandou ler “O maior vendedor do mundo”, de Og Mandino, e “Fernão Capelo Gaivota”, de Richard Bach. Nossa primeira aula de Citologia foi uma lição de vida. Nesta época, ainda não se conhecia o conceito de “Inteligência Emocional” e palestras e livros de auto-ajuda ainda não tinham dominado o mercado.
Lembranças
Passaram-se exatos vinte anos e, para redigir esse artigo, reli os livros indicados pelo mestre, já amarelados pelo tempo. Concluo que, se tivesse seguido os sábios conselhos desde o primeiro dia de aula, teria evitado muito sofrimento. Mas como o próprio dr. Vasco me dizia, naquela época, meu maior defeito era “a rebeldia da juventude”...
Estudar e trabalhar
Fernão Capelo era uma gaivota que queria voar alto, conseqüentemente, foi banido pelo grupo que não aceitava quem tentava fugir da mediocridade. É a história de um vencedor, aquele que venceu a dor, como o próprio Vasco. Logo no primeiro dia de aula, ele esclareceu que o mundo profissional é altamente competitivo e apenas os fortes vencem. “E não há outra saída: quem quer vencer tem que estudar e trabalhar, até o fim da vida.” E foi isto que ele fez a vida toda: trabalhou e estudou.
Assim como Fernão Capelo Gaivota, Vasco Martins Cardoso também semeou bons frutos: formou várias gerações de profissionais éticos, conscientes, atuantes e estudiosos. É claro que nem todos conseguiram vencer. Apenas os que seguiram os conselhos do mestre e aplicaram na vida os conhecimentos adquiridos com as duas primeiras leituras obrigatórias para a disciplina de Citologia, que era um ritual de passagem para a vida profissional.

Réquiem para um amigo II - "Orientai-me meu Senhor, mostrai-me o caminho"


“Viverei hoje como se fosse o meu último dia. Como esse dia é muito precioso, tamparei seu conteúdo de vida para que nenhuma gota se derrame na areia.
Não desperdiçarei um só segundo pensando no passado nem tampouco no futuro porque não posso transportá-los para o meu dia de hoje. Este dia é tudo o que eu tenho e estas horas são agora a minha eternidade.
Este dia é uma outra oportunidade para que eu me torne a pessoa que poderei ser. Este será o meu dia de vencer! Não o desperdiçarei com sentimentos negativos: a dúvida, enterrarei sob a fé; o medo, derrotarei com confiança.
Viverei hoje como se fosse meu último dia. E se for, será meu maior monumento. Farei deste o melhor dia de minha vida. E, se não for, cairei de joelhos e agradecerei aos céus.” (MANDINO, Og; O maior vendedor do mundo – 5º pergaminho)


O segundo livro indicado pelo professor Vasco, “O maior vendedor do mundo”, trazia o restante da receita do sucesso: humildade, caridade, otimismo, coração limpo, discrição, força interior e fé em Deus.
Após duas aulas de conduta profissional, ética e perseverança, finalmente começamos a jornada pelo maravilhoso universo da Biologia Molecular. Seguro e tranqüilo, o professor nos apresentou a beleza do mundo microscópico.
Cada aula era um show de conhecimento, uma novidade, mas também tinha um fundinho de tortura: durante as práticas no laboratório, enquanto manuseávamos o microscópio, o professor aproveitava para examinar nossas unhas, cabelos, pele e roupas. Se algum aluno ou aluna fosse flagrado com as unhas sujas e grandes, pele mal cuidada, cabelos desalinhados, ou roupas inadequadas e jalecos encardidos ou amassados, vinha um sermão interminável sobre a apresentação pessoal de um profissional da área de saúde... Ele também nos lembrava constantemente de que, “fomos feitos à imagem e semelhança de Deus. Portanto, não podíamos ser desleixados.”
No decorrer de todas as aulas, ele falava um número qualquer e, ao conferir o nome na lista de chamada, o aluno “sorteado” era sabatinado sobre o assunto da aula anterior, se respondesse corretamente, ganhava nota dez; caso não soubesse, ou a resposta fosse incompleta, ou até mesmo se demorasse pensando, a nota era zero. Essas provas orais aconteciam todas as aulas. Ninguém escapava, mas quem tirava zero tinha oportunidade de tirar dez nas provas seguintes. Para se recuperar, bastava estudar.
Hierarquia militar
No sexto período, o professor Vasco lecionava Patologia. Uma matéria deliciosa, apesar da constante tensão dos alunos com as provas orais. Ainda me lembro das comparações com a hierarquia militar: “O monócito é o comando geral, é a célula grande que dá a ordem. Os linfócitos são os soldados de infantaria, aqueles que vão para a frente de batalha para enfrentar o inimigo, corpo-a-corpo.” Cada aula era um show, ricamente ilustrado com slides, e prendia completamente a atenção da turma.
Ainda no segundo período da Faculdade, tive o privilégio de ir trabalhar no Hospital Araújo Jorge da Associação de Combate ao Câncer em Goiás e, posteriormente, no Laboratório CAPC, à época propriedade do dr. Vasco e mais três médicos anátomo-patologistas. Ao todo, foram cinco anos de convivência diária, que se transformaram em uma amizade transparente, sincera, profunda. Nos momentos difíceis, dividíamos nossas angústias. Aos poucos, eu ia moldando minha identidade profissional, principalmente com os “puxões de orelha” necessários. Carinhosamente, ele me chamava de “Soldado MJ” e eu batia continência.
O professor realmente praticava os ensinamentos que nos passava, porém no ambiente de trabalho era informal, simpático, uma pessoa leve, que pagava pão-de-queijo para todo mundo e lanchava com os funcionários.
Curiosos, os colegas de faculdade sempre me perguntavam como era o temido professor fora da sala de aula. Muitos não acreditavam quando eu contava que ele era brincalhão, às vezes fazia trapalhadas e ria de si mesmo.
"Garantia"
Ao final do expediente do CAPC, dr. Vasco sempre me dava carona até a Universidade. Certo dia, fomos lanchar numa recém-inaugurada lanchonete no setor Universitário e nos fartamos de pizza e suco de laranja. Na hora de pagar a conta, o chefe havia esquecido a carteira no laboratório (no setor Aeroporto), e eu só tinha vale-transporte. Sem graça, ele explicou a situação para o gerente, me deixou lá “como garantia” e foi buscar a carteira. Com o trânsito terrível, ele demorou mais de meia hora e eu já estava constrangida com os olhares de desconfiança do pessoal da lanchonete. Passado o vexame, demos boas gargalhadas.
Descobri que todas as provas eram orais somente porque o dr. Vasco trabalhava em vários lugares e não tinha tempo para corrigir provas escritas. Quanto ao rigor excessivo com os alunos, ele me respondia sorrindo: “tenho muitos defeitos, mas quero que meus alunos sejam perfeitos. Além do mais, se eu não for firme, sei que vocês não estudarão.”
Jornalismo
Quando optei por seguir a carreira de jornalista, além de enfrentar a fúria da minha família (que ainda não me perdoou pela escolha...), ainda tive que enfrentar o chefe. Numa cena inesquecível, dr. Vasco tirou o cinto e, me mostrando o cinto dobrado, em atitude ameaçadora, trancou a porta da sala e ficou mais de duas horas esbravejando, tentando me convencer a não entrar para o mundo do Jornalismo. Foi a única vez que ele se zangou comigo.
Mais de uma década depois, bastante ferida pelos espinhos do Jornalismo, fui desabafar com o meu melhor amigo, no Laboratório Imunolab. Ele não hesitou em ressaltar que tinha me avisado que, por ser muito sensível, eu não suportaria a pressão do mundo competitivo e desleal da Comunicação, que vive em função do jogo do poder.
Despedida
Após uma longa, sincera e dolorida conversa, ele me pediu que nunca parasse de estudar e trabalhar, e me lembrou de que para mim ainda havia tempo para uma nova mudança de rumos. Na ocasião, ele me explicou sua doença detalhadamente, me mostrou alguns exames que confirmavam quatro calcificações no cérebro, e disse que sabia que o tempo dele tinha se esgotado.
Nos despedimos com um abraço fraterno e, quando me virei para ir embora, ele ainda repetiu: “Não se esqueça: trabalhar e estudar, sempre. Além disso, o resto é ilusão”. Senti um aperto no coração, um mau presságio. E assim foi nosso último encontro. Eu não quis vê-lo na fase avançada da doença e nem fui ao funeral. Ele se foi no natal de 2005 e eu optei por guardar sua imagem cheio de vida.

* A foto acima foi tirada em 1988, de roupa branca, com 20 anos de idade, eu sequer imaginava que minha vida fosse tomar rumos tão diferentes. Na época, eu sonhava em me especializar em Imunohistoquímica ... Menos de dois anos depois, minha vida deu um giro de 180 graus, se pra melhor ou pior, não há como avaliar...