
Monteiro Lobato,
Quando minha mãe contou que estava grávida, meu pai profetizou: "vai ser menina, vai se chamar Maria José, como a avó, e vai ler o Sítio do Pica-Pau-Amarelo". No dia seguinte, ele comprou o livro do Sítio, que ficou guardado por seis anos.
Aprendi a ler e escrever com quatro anos de idade, e nunca mais parei. Escrever, para mim, é tão essencial quanto respirar.
O primeiro livro que li foi "O gato de botas", aos quatro anos. As letras eram imensas e tinha mais figura que texto. Dois anos depois eu já tinha lido dezenas de livrinhos e também já lia a revista "Recreio", sempre incentivada pelos meus pais.
Quando fiz seis anos, papai achou que eu já conseguiria entender o Sítio, então me entregou o presente há tantos anos guardado.

O Sítio do Pica-Pau-Amarelo foi o primeiro livro "grande" que eu li. Quase não tinha figuras, ao contrário dos que eu era acostumada a ler.
Mas, figuras pra quê? Se eu podia imaginar tudo o que estava escrito! Era incrível como eu podia visualisar as personagens e construir os cenários no meu imaginário!
Dois anos depois, aos 8 anos, já na terceira série do colégio, em São Paulo, a professora Terezinha de Melo Pereira adotou o Sítio como leitura obrigatória. Então, o li pela segunda vez.
A dona Terezinha foi uma professora fantástica, que entendia muito do universo infantil. Ela me comparava à falante boneca Emília e fez a quarta profecia que se cumpriu na minha vida: disse à minha mãe que achava que eu seria jornalista... E mais, ela é de Taubaté, a sua cidade Monteiro Lobato! Até hoje lembro-me dela explicando que a palavra Taubaté significa "Rio das Borboletas".
A leitura do Sítio na sala de aula era assim: todos os dias, os últimos 20 minutos da aula eram para a leitura do livro. Cada dia um lia um trecho da obra em voz alta e o restante da turma acompanhava lendo em silêncio. E uma vez por semana, cada um escolhia uma passagem que foi lida durante a semana e fazia uma redação de 15 linhas sobre o tema.

Quando estávamos quase acabando nossa leitura coletiva, começou a passar o Sítio na televisão! Fiquei um pouco decepcionada, porque algumas personagens não eram exatamente como eu imaginara.
A primeira versão do Sítio-do-Pica-Pau-Amarelo apresentada pela TV Globo foi maravilhosa, mas as posteriores perderam o encanto com a troca dos atores.
Depois de tantos anos, dia desses vi um capítulo da versão atual do Sítio na TV. Sinceramente, aquilo está muito longe de ser o Sítio da minha infância.
A televisão "acabou" com a obra. Se bem que as crianças de hoje em dia também mudaram (e para muitoooooooo pior).
Monteiro Lobato, você acredita que as crianças de hoje não sabem brincar de faz-de-conta e não tem a menor idéia do que seja pirlimpimpim?
Monteiro, acabaram com a infância! É com tristeza que vejo crianças bem pequenas carregando celular e passando o dia no computador e a noite vendo programas de adultos na televisão...

Fico pensando, como alguém pode crescer sem saber brincar de faz-de-conta?
Que pais são esses que não ensinam os filhos a lerem o Sítio?
Me diga Monteiro, que graça pode ter a vida de alguém que nunca brincou de faz-de-conta? Que nunca imaginou o sabor dos bolinhos da Tia Nastácia? Que nunca se encantou com a sabedoria do Visconde Sabugosa? Que não conhece a Cuca e o Saci? Como pode existir alguém que nunca se divertiu com as danações da boneca Emília?
Hoje em dia é assim. As crianças já nascem adultas (e vazias, mal criadas, sem limites...) e quando crescem viram adultos vazios, insuportáveis e sem criatividade, porque não tiveram infância...
Você faz muita falta, meu grande amigo Monteiro Lobato.