No asilo, os dias eram longos e a rotina enfadonha. Amargurados pelo abandono, os velhos decrépitos aguardavam ansiosos pela morte, que lhes chegava como alento. Mas havia uma anciã que fazia a diferença. Ela se chamava Vida e teimava em não envelhecer a alma. Vaidosa, estava sempre muito elegante e perfumada. A intenção não era esconder a idade, que já beirava o centenário, mas aproveitar até a última gota do que acreditava ser um presente divino: sua existência.
A cadeira balançava suavemente e os pensamentos da velha voavam para um tempo muito distante: A alegre menina desengonçada sonhava com um mundo melhor. Acreditava na revolução pela arte, fazia teatro, devorava livros, inclusive os complicados tratados marxistas, que fingia entender. Queria que não faltasse pão para os irmãos, e gostava da poesia marginal que denunciava a fome do corpo e da alma, incitando os estudantes e operários para a luta.
Passaram-se os anos e a menina sonhadora teve que lutar pela própria sobrevivência. Aprendeu que o jogo quase sempre é sujo e que sonhos não pagam contas. Deixou de ler e escrever poemas, e de ser menina. Felina, a fêmea partiu para a revolução sexual. Até que a mulher moderna, liberada e independente viu seu estereótipo cair por terra ao descobrir o fogo da paixão. Fez tudo o que sempre condenou em seus discursos feministas: se humilhou, rastejou, chorou e apanhou.
Ferida, a mulher descobriu o caminho da espiritualidade. Devorou ensinamentos de mestres que estão acima dos sentimentos humanos. Morou na Índia, abriu mão da vaidade, a luxúria abandonou seu olhar e ela tornou-se um ser tranqüilo, em paz consigo. Dizia que ao salvar sua alma, seria um problema a menos para o mundo. Viveu assim por alguns anos, até que sentiu fome de viver. Ela não queria ser santa, não buscava a perfeição e entendeu que uma existência sem riscos de erros e acertos não valia nada.
Perdida, Vida encontrou o poeta, que era um alegre aventureiro. Sedutor, ele tocou seu corpo e aqueceu sua alma. Ela teve medo de se ferir novamente e pensou na tristeza da partida. Entretanto, a alegria do encontro era muito maior. Amadurecida, aprendera a arte de viver. O poeta se foi. Ao final da sua existência, Vida não esperava a morte, mas se perfumava para o poeta. Ela sabia que ele viria buscá-la para uma outra dimensão, onde o amor é infinito.
Maria José Sá
1º de janeiro de 1995
quarta-feira, julho 19, 2006
Vida e o Poeta
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6 comentários:
Vc é só aquilo que Deus quis e vai continuar assim porque está muito bem ..... beijinhosssssssssss
Vc coloca as musicas do doido do Seal , logo eu fico pendurado nas coisas boas que vc tem pra mim ...
Fico feliz quando vc me visita. Volte sempre, a casa é sua. Tudo que é meu é seu...
beijinho
... De facto, a Vida não é tão simples,assim. Não há pior do que a consciência, para atrapalhar os projectos e o futuro. Porém, não há pior do que a falta dela, sendo a Vida, também, um jogo de juizos...
Nada como ter a consciência do finito, e amar enquanto o amor dura, porque nós não inventamos coisa nenhuma; somos uma invenção do Tempo.
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