segunda-feira, julho 24, 2006
O escultor de Deus
Maria José Sá
Para quem procura a paz, o local indicado para um passeio é o Mosteiro da Anunciação do Senhor, na Cidade de Goiás. É difícil descrever esse lugar onde a beleza está justamente na simplicidade e no contato com a natureza. O leitor tem que ir até lá e sentir a paz invadindo o coração. Construído pelos monges beneditinos, tudo no mosteiro faz alusão à união das raças branca, negra e indígena.
Um dos responsáveis pela belíssima arquitetura da obra é o monge francês Pedro Recroix, 80, semi-eremita. Ele é escultor de madeira e seus trabalhos são conhecidos mundialmente. A capela do mosteiro é aberta à comunidade, que pode assistir missa aos domingos, às 9h, e às terças e sextas-feiras, às 19h. Os monges cuidaram dos mínimos detalhes da composição do ambiente.
Tudo na capela tem um profundo significado que o artista explica pacientemente aos curiosos visitantes. “A bandeira colorida representa todos os países da América Latina pedindo paz. O Cristo estilizado vivo, de mãos grandes e inclinadas para a terra, significa os operários. A Menorah representa a parte mais reservada dos templos de Jerusalém, onde os sacerdotes oferecem seu sacrifício diário, é uma alusão ao Judaísmo. Não podemos nos esquecer que Jesus era judeu”.
O altar de madeira maciça entalhada tem desenhos das culturas inca, maia e asteca. Tramas com motivos orientais, em madeira, representam as antigas religiões do Oriente. Na capela reservada aos monges, Pedro esculpiu um Cristo liberto, voando para o alto. “Esta capela é menor, e a utilizamos para as orações individuais. Por isso criamos este ambiente mais aconchegante, que promove a intimidade com Deus”. Outros monges artistas, como o Irmão Celso, também contribuíram para a decoração com velas ornamentadas e peças de argila e ferro.
Irmão Pedro trabalha com diversos tipos de madeira. “Cada uma tem sua personalidade, mas as duras são melhores para esculpir.” O escultor aproveita o próprio desenho da madeira para compor a trama. Seus trabalhos são comercializados e a renda é destinada para ajudar na manutenção do mosteiro. Embora ele afirme que não sabe dar preço às suas peças. “Pôr preço numa obra de arte é prostituir a arte.” Ele ensina seu ofício para alguns adolescentes vizinhos. “Só exijo que se comportem, tenham juízo e gostem de trabalhar com a madeira.”
“Ora et labora, trabalho e oração. Este é o nosso lema e é o que ensino aos jovens.”
Daiane Ferreira de Aguiar, 12, estuda pela manhã e à tarde aprende a esculpir madeira. “Estou com ele há seis meses. Já sei fazer nomes e copiar desenhos. Até já vendi dois quadrinhos que fiz. Estou adorando e quero aprender o máximo com o Irmão Pedro. Decidi que quando crescer, quero viver de esculturas de madeira. É muito bom ver o trabalho da gente pronto.”
Gilmar Ferreira, 20, também é escultor. O rapaz é de Ceres e está no mosteiro há dois anos. Ele é o braço direito de Irmão Pedro, de quem é aluno. “Eu estudo Teologia e aprendi a esculpir madeira. Quero ser monge. Aqui no mosteiro o aprendizado é muito grande, tanto de vida quanto de arte.”
Comunhão ecumênica
No site www.empaz.org, o prior do Mosteiro, Marcelo Barros, explica a comunhão com as outras religiões, adotada pelos Beneditinos:
“Não obstante a extraordinária beleza e o potencial de induzir a pleno estado de oração, que esta antiquíssima maneira de rezar tem propiciado ao longo dos séculos, cuja guarda tem sido carinhosamente preservada na tradição de nossa Ordem, a comunidade do Mosteiro da Anunciação assumiu buscar, pesquisar e ampliar formas inculturadas de liturgia, que facilitem a evangelização das comunidades entre as quais nos inserimos, sem prejuízo da beleza, harmonia e simplicidade do Louvor a Deus.
Procuramos estar sempre em sintonia com a tradição da Igreja e também com a cultura popular. Buscamos, portanto, uma liturgia que seja expressão da vida que vivemos, no bairro onde moramos. A Comunidade procura participar em atividades e eventos que consagrem sua presença libertadora no universo das culturas, numa atitude de reverência, diálogo e aprendizado com o diferente, reconhecendo, humildemente, que muitas vezes Deus também se revela naqueles que não são iguais a nós.
O Ecumenismo e o Macro Ecumenismo constituem, portanto, opções fundamentais da comunidade do Mosteiro da Anunciação do Senhor, e são uma das características mais marcantes do estilo monástico ali vivenciado. Na segunda-feira, rezamos em comunhão com o budismo e o hinduísmo; na terça, com as tradições afro-brasileiras; na quarta, com todas as pessoas que buscam o divino nos mais diversos caminhos não-institucionais; na quinta, com as tradições indígenas; na sexta, com o islamismo; no sábado, com o judaísmo, e no domingo fazemos coro com todas as igrejas cristãs.
O Ofício do Meio-Dia é dedicado à comunhão com as grandes tradições religiosas do mundo, onde pedimos a graça da comunhão e do diálogo. A leitura deste ofício é sempre tirada de algum texto sagrado de outras tradições espirituais ou documento explicativo. Muitas celebrações do mosteiro dão-se portanto a nível ecumênico e macroecumênico, tanto no espaço de nossa vizinhança, com as Igrejas Evangélicas irmãs, quanto no âmbito nacional e regional. Sempre que possível estamos presentes em atos, eventos e congressos pertinentes ao diálogo inter- religioso, em particular a Assembléia do Povo de Deus - APD, que anualmente temos acolhido em nosso Mosteiro.
Nossos irmãos têm participado de manifestações autênticas da cultura e religiosidade populares, como a tradicional peregrinação do povo goiano ao Santuário de Trindade, caminhando a pé dezenas de quilômetros pelas estradas do interior, durante dias, a cavalo ou de carro-de-boi. As folias folclóricas e de fundo religioso popular também são acolhidas no Mosteiro, em respeito aos fazeres populares e suas formas peculiares de louvar a Deus.”
* Matéria publicada no jornal Diário da Manhã em 2/4/2003
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2 comentários:
O mosteiro da Anunciação é mesmo um local maravilhoso e as pessoas que lá vivem realmente promovem a paz e o ecumenismo. Gostei da sua matéria que me fez recordar os bons dias que lá estive na Páscoa desse ano.
Parabéns pela matéria e abraços aos amigos do Mosteiro.
Rosely
Falar sobre o Ecumenismo sempre mexe comigo. Apesar de Católico Romano, compartilho desse sentimento único do Divino.
Por isso tanto gostei desta matéria e da maneira como os Monges do Monteiro da Anunciação se organizaram para orar e meditar, em comum união com nossos irmãos de outras crenças. Para mim, esta é a verdadeira religião, a que nos eleva a Deus sem que tiremos os pés do chão, olhando ao mesmo tempo para nossos irmãos.
Parabéns, minha querida Naíca, por mais esta matéria tão tocante.
Ótima sugestão para nos deliciarmos musicalmente também é o trabalho da cantora Fortuna com o coro dos monges beneditinos do Mosteiro de São Bento de São Paulo. Este trabalho está registrado em CD e DVD, intitulado "CAELESTIA".
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